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Tema

 XXXI Encontro Nacional dos Estudantes de Farmácia:

“Da competência técnica ao compromisso político”

            Do universo de temas e debates que permeiam um movimento de estudantes, escolhemos o desafio de trazer para o centro do nosso encontro uma discussão a qual, apesar de estar presente nos nossos espaços (da sala de aula aos CoNEEFs), não temos creditado o devido aprofundamento. A partir da escolha do tema em janeiro de 2008, é dever de todo o militante do Movimento Estudantil de Farmácia (MEF) estudar e refletir sobre nossa busca pela competência técnica e pelo compromisso político, como uma primeira tentativa de compreender como se relacionam política e técnica, no MEF e em todos os espaços em que atuamos. Este texo tem como objetivo ajudar os companheiros nesse estudo e situar os(as) estudantes que ainda não participam dos nossos fóruns, mas irão ao XXXI ENEF, o porquê da escolha do tema desde já, incorporá-los(as) ao Encontro e ao MEF.

Para começar o debate, é válido lembrar que "naturalmente" separeamos estes dois termos como se fossem antagônicos e não complementares, ou melhor, como se um não dependesse do outro. Esta dicotomia entre técnica e política se inicia desde nossa vivência na universidade quando, por exemplo, nossos(as) colegas alegam não participar do Centro ou Diretório Acadêmico ou das atividades do DCE, por falta de tempo ou por não se interessarem pelas discussões políticas. Outra idéia que paira na universidade é que os(as) estudantes do movimento estudantil (ME) são aqueles dos cursos “fáceis” onde não se requer muito estudo, muita dedicação. O comentarista do principal jornal de Santa Catarina chegou a diferenciar os(as) estudantes das “áreas secundárias” dos(as) estudantes de “áreas nobres” (ver em: http://br.youtube.com/watch?v=QhbSD3QTRgA). Talvez, nasça desta realidade a necessidade de explorarmos este debate com o intuito de nos livrarmos dos velhos preconceitos e avançar sempre. O Movimento Estudantil não se separa, não é externo aos nossos estudos, ao nosso trabalho como Farmacêutico(a). Pelo contrário, contribui muito para compreendermos todas as relações que envolvem as nossas disciplinas, todos os problemas da nossa universidade, todos os desafios da nossa profissão, toda incompetência técnica com que saímos da universidade. A política não é inimiga da técnica. 

Além de trazer o debate crítico ao conjunto dos(as) estudantes sobre este assunto, também estamos pensando na formação dos militantes que já se somam ao MEF, pois a dicotomia entre política e técnica não fica “de fora” do ME e do MEF. Dentro do nosso movimento passamos a identificar que haviam grupos mais preocupados com a profissão e outros grupos dando mais peso as discussões que podemos definir como “puramente políticas”. A partir das contradições observadas em nossas práticas, estamos propondo para este ENEF avançar nas nossas discussões, reunir técnica e política e abraçar um número maior possível de estudantes que possam cada um com sua contribuição se engajar nessa luta.

Mas que técnica estamos buscando? Aquela que a gente aprende na universidade naquelas aulas que fazem a gente pensar muitas vezes antes de sair de casa? Aquela técnica abstrata, neutra e absoluta que parece estar totalmente à parte da nossa sociedade? Aquela ciência acima dos interesses antagônicos que permeiam nossa sociedade? Aquela que dá a impressão que nunca vamos usar para nada e que nos esforçamos para entender qual a finalidade de se ter esta disciplina antes daquela outra? De que técnica estamos falando?

A competência técnica que estamos buscando não é o tecnicismo, não diz respeito ao domínio de regras externas aplicáveis mecanicamente a tarefas fragmentadas que parecem não ter relação com o todo. Adquirir competência técnica, no sentido que queremos discutir, quer dizer essencialmente, construir uma visão integrada e articulada dos aspectos mais relevantes e mais imediatos da nossa prática profissional. Um exemplo de competência profissional seria, por exemplo, possuir o domínio adequado do saber farmacêutico a ser transmitido para os usuários(as) de medicamentos. Somamos a isso a habilidade de dialogar com a população de modo que ela realmente compreenda a importância de utilizar corretamente seus medicamentos e junto à comunidade lutar por assistência farmacêutica no posto de saúde do bairro. Da mesma forma, queremos entender as múltiplas relações entre os vários aspectos do nosso sistema de saúde, desde sua hierarquização (dos postos de saúde até os hospitais), seus princípios (universalidade, eqüidade, integralidade), sua importância para assegurar o bem estar da sociedade à sua relação com o setor privado. A competência técnica passa também por compreender as condições de trabalho e de remuneração a que está submetida a maioria dos(as) farmacêuticos(as), quando estes(as) não estão trabalhando em outro setor por falta de perspectiva na profissão.

Ao conceituar “competência técnica” queríamos deixar claro que a técnica da qual estamos falando não é vazia de conteúdo político, não é a técnica neutra que estamos “acostumados” a aprender. Portanto, o tema do nosso encontro, “da competência técnica ao compromisso político”, não se trata de acontecimentos lineares. Isso quer dizer que não queremos partir de um para o outro, a partir da competência técnica alcançar o compromisso político. A verdade é que nenhum dos dois termos subordina o outro, eles se relacionam. A competência técnica é mediação, ou seja, é também, mas não somente, por seu intermédio que se realiza o compromisso político. “A competência técnica não é jamais um momento prévio para o engajamento político, ela já é um determinado engajamento político” (SAVANI).

Ao adquirir competência técnica o profissional ganha também condições de perceber, dentro do seu trabalho, os obstáculos que se opõem à sua atuação competente. Por exemplo, podemos pensar que é exatamente porque a competência técnica é política que somos formados de maneira tão precária, sem compreender todas as relações que citamos acima. Desta forma, ficamos impedidos de transmitir à sociedade os nossos conhecimentos, visto que não é necessário dizer a quem incomoda um profissional que diga à comunidade que “não há necessidade de tomar este medicamento. A história da transformação do nosso currículo mostra o quanto o/a farmacêutico/a foi afastado do seu instrumento de trabalho, o medicamento, assim como dos conteúdos de farmacologia e farmacoterapia, restando-lhe apenas uma técnica sem competência. A tarefa de reverter esse estado de coisas é uma questão política que implica a organização coletiva dos/as estudantes, população, professores/as e profissionais.

Após os comentários acima apresentados, ocorre-nos perguntar: quem tem medo da competência técnica? Parece óbvio que os(as) usuários(as) de medicamentos não têm qualquer motivo para temer a competência técnica. Também não temerão a ela estudantes e intelectuais verdadeiramente empenhados/as em assumir um compromisso político articulado com os interesses dos(as) trabalhadores(as). Mas será que estarão, também, os grandes empresários/as da indústria farmacêutica e os(as) proprietários(as) das grandes redes de farmácia descontentes com a dissociação entre técnica e política na universidade? Com a falta de projetos de extensão voltados à população? Com as pesquisas dissociadas dos interesses da grande maioria da população feita nas universidades?

Quem tem medo do compromisso político? À luz das considerações feitas não parece difícil concluir que, na verdade, temem o compromisso político aqueles mesmos que temem a competência técnica. Isto porque aquilo que teme os(as) proprietários(as) dos meios de produção é a concretização do compromisso político transformador. Eis porque, se o discurso relativo a um compromisso político transformador pode ser tolerado, as tentativas de concretizá-lo são combatidas das mais diversas formas. Quem estará satisfeito com a desarticulação do movimento estudantil? Com a desmobilização dos trabalhadores(as) da área da saúde? Com a Reforma Universitária e o Reuni?

Nosso desafio não é pequeno. A busca por uma técnica a serviço do melhoramento das necessidades mais sentidas do nosso povo é nosso horizonte político. Nesse caminho percebemos as condições necessárias para mudar esta realidade, entre elas, a reorganização do movimento estudantil. Um movimento estudantil que lute pela democratização da universidade, pela produção de ciência e tecnologia autônoma que sirva a maioria da população e não aos interesses de uma minoria.

 
Bom ENEF!!!

 

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